Nos últimos meses, Chimamanda Adichie vem ganhando cada vez a minha atenção. Conheci a autora através de seus livros e também através das palestras que tive a chance de assistir. Chimamanda escreveu seus primeiros contos quando tinha 7 anos. Aos 26 publicou seu primeiro romance, Hibisco Roxo, que, como o segundo, Meio Sol Amarelo, tem como palco Nigéria. Por ambos a escritora recebeu reconhecimento internacional e múltiplos prêmios, mas foi por Americanah que ela recebeu o mais prestigioso —o National Book Critics Circle Award, em 2013 (a Companhia das Letras publicou os três no Brasil). Adichie cresceu num campus nigeriano. Seu pai era professor, e sua mãe, secretária de admissões. Aos 19 anos tomou o rumo dos Estados Unidos para continuar seus estudos universitários na Filadélfia.
A última palestra da escritora que tive a oportunidade de ver ela conta como ela se tornou uma leitora e consequentemente, uma escritora. Ela fala sobre suas influências e aquilo que lia durante a infância; e como essas fontes de influência acabava refletindo em suas próprias histórias. Ela escrevia exatamente os tipos de histórias que lia. Todos os seus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs, e eles falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. Tudo isso não condizia com a realidade da escritora, já que onde ela morava não existia neve, eles comiam manga no lugar de maça e não conversavam sobre o tempo. Esse cenário só mudou quando Chimamanda descobriu os escritores africanos, tendo a chance de se ver naqueles personagens, o que antes não era possível. O que a descoberta dos escritores africanos fez por ela foi salvá-la de ter uma história única sobre o que os livros são.
“Porque tudo o que eu havia lido eram livros em que os personagens eram estrangeiros, fui convencida de que livros naturalmente tinham de ter estrangeiros e ser sobre coisas com as quais eu não poderia me identificar. Mas tudo mudou quando eu descobri livros africanos (…) Tive uma virada na minha percepção sobre literatura. Percebi que pessoas como eu, meninas com pele de cor de chocolate, cujo cabelo crespo não dava pra fazer rabo-de-cavalo, também poderiam existir na literatura”.
Esse relato não é a única coisa que ela faz questão de contar durante a palestra. Chimamanda relembra que sempre ouvia a palavra “pobreza” quando sua mãe se referia a família de um garoto que trabalhava em sua casa. Ela comenta que, ao descobrir que essa mesma família produzia cestos artesanais impressionantes, ficou atônita, já que nunca havia imaginado que alguém naquela família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo o que ela tinha ouvido falar sobre eles era como eram pobres, assim, era impossível para ela vê-los como alguma coisa além de pobres; sua pobreza era a história única que ela conhecia sobre eles. O mesmo aconteceu quando ela deixou a Nigéria para cursar universidade nos Estados Unidos. Sua colega de quarto ficou surpresa por Chimamanda saber falar inglês fluentemente, sendo que esse era o idioma oficial do país onde ela morava. Essa mesma colega também ficou chocada quando viu que Chimamanda ouvia Mariah Carey, ao invés da “música tribal” que ela pensou que a escritora ouvia. Isso mostrou para Chimamanda que sua colega conhecia uma história única sobre a África.
“Nessa história única não havia a possibilidade de africanos serem iguais a ela de forma alguma. Nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do que a pena. Nenhuma possibilidade de conexão como humanos. (…) Então, depois de ter passado alguns anos nos EUA como uma africana, eu comecei a entender a reação da minha colega de quarto para comigo. Se eu não tivesse crescido na Nigéria e tudo o que eu soubesse sobre África viesse das imagens populares publicadas, eu também pensaria que a África era um lugar de paisagens bonitas, animais bonitos e pessoas incompreensíveis, disputando guerras insensatas, morrendo de pobreza e AIDS, incapazes de falar por si mesmas. Esperando para serem salvas pelo estrangeiro branco e gentil. (…) Eu acho que essa história única vem da literatura ocidental. (…) Então comecei a perceber que minha colega de quarto deve ter visto e ouvido, durante toda sua vida, diferentes versões da história única”.
Quantas histórias únicas conhecemos sobres diferentes lugares? Qualquer, em qualquer lugar, não está livre de formular padrões sobre um lugar ou uma pessoa. Chimamanda faz questão de salientar que os estereótipos que sempre ouvimos sobre algo, seja um país ou uma pessoa, estão sempre incompletos. Devemos sempre buscar conhecer mais, não apenas o que ouvimos de outros. Ela mostra como exemplo a imigração mexicana nos Estados Unidos: "mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele se tornará". É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Como é contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa.
“A consequência da história única é a seguinte: rouba-se a dignidade das pessoas. Dificulta o reconhecimento da nossa humanidade compartilhada. Enfatiza o quão diferentes somos em detrimento de quão iguais somos”
O Perigo de Uma História Única serve para mostrar que histórias importam. “Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida.”
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