[RESENHA] O ódio que você semeia - Angie Thomas


Uma história juvenil repleta de choques de realidade. Um livro necessário em tempos tão cruéis e extremos.
Starr aprendeu com os pais, ainda muito nova, como uma pessoa negra deve se comportar na frente de um policial.Não faça movimentos bruscos.Deixe sempre as mãos à mostra.Só fale quando te perguntarem algo. Seja obediente.Quando ela e seu amigo, Khalil, são parados por uma viatura, tudo o que Starr espera é que Khalil também conheça essas regras. Um movimento errado, uma suposição e os tiros disparam. De repente o amigo de infância da garota está no chão, coberto de sangue. Morto.Em luto, indignada com a injustiça tão explícita que presenciou e vivendo em duas realidades tão distintas (durante o dia, estuda numa escola cara, com colegas brancos e muito ricos - no fim da aula, volta para seu bairro, periférico e negro, um gueto dominado pelas gangues e oprimido pela polícia), Starr precisa descobrir a sua voz. Precisa decidir o que fazer com o triste poder que recebeu ao ser a única testemunha de um crime que pode ter um desfecho tão injusto como seu início.Acima de tudo Starr precisa fazer a coisa certa.Angie Thomas, numa narrativa muito dinâmica, divertida, mas ainda assim, direta e firme, fala de racismo de uma forma nova para jovens leitores. Este é um livro que não se pode ignorar.

Jovem Adulto | 378 Páginas | Cortesia Galera Record | Skoob | Classificação: 5/5  


“The Hate U Give Little Infants Fucks Everybody (O ódio que você passa pras criancinhas fode com todo mundo)”

Estou escrevendo esta resenha ao som de Racionais Mcs, que em minha opinião, tem tudo a ver com esse livro. Existem certos tipos de livros que vai muito além da história contada. Alguns livros nos entretêm, nos diverte; mas existem livros que nos ensinam, que nos fazem pensar, que nos fazem questionar o mundo em que vivemos. Faz-nos questionar a sociedade, as pessoas, as regras, as leis. Encontrei tudo isso em “O ódio que você semeia”, um livro que traz questionamentos que precisam ser debatidos e discutidos abertamente por todos.  

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Em 1997, o grupo Racionais escreveu em uma de suas músicas: "60 por cento dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial. A cada quatro pessoas mortas pela policia, três são negras. (...) a cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo". Foi dessa forma que o grupo iniciou a música "Capítulo 4, Versículo 3". Por que citei essa música? Porque é basicamente disso que o livro fala. Da violência, do preconceito contra um grupo de pessoas apenas pela cor de sua pele. O livro conta a história e a vida da jovem Starr. O livro começa quando ela estava em uma festa com seu melhor amigo Khalil, quando, de repente, começa um tiroteio e eles precisam fugir dali. No caminho para casa, eles são parados pela polícia. Quando jovem, o pai de Starr sempre disse a ela e o que fazer quando fosse parada pela polícia: “Não faça movimentos bruscos. Deixe sempre as mãos à mostra. Só fale quando te perguntarem algo. Seja obediente”. No entanto, mesmo fazendo tudo o que seu pai disse, por um erro, por um movimento errado, Khalil é morto. Starr, a única testemunha do crime, agora precisa decidir ficar calada ou usar sua voz para trazer justiça a seu amigo.  

“Khalil foi silenciado, mas vamos nos juntar e fazer com que nossas vozes sejam ouvidas em seu nome.”

Um livro com esse tipo de narrativa nunca é fácil de ser lido ou discutido. É uma história real, crua, que vivemos, que enfrentamos há anos e, mesmo assim, está longe de ter um fim. Mesmo que o livro não tenha sido baseado em “fatos reais”, a história contada é a realidade de muitos. Quantas vezes não ouvimos sobre pessoas que são vítimas de violência por parte da polícia? São vítimas de preconceitose discriminação por conta da cor de sua pele? Será que algumas pessoas enxergam apenas uma cor ao invés do ser humano?! A vida de Starr e Khalil é a realidade de pessoas que moram em periferias, em lugares dominados pelo crime. Starr é uma das personagens que mais amei. Ela é forte, possui um coração enorme. A jovem vive duas realidades: estuda em uma escola cara, onde a maioria dos estudantes são brancos, e mora em um bairro dominado pelas gangues. Ela não quer que essas duas realidades um dia se misturem. Por isso, quando está na escola, ela precisa pensar antes de falar gírias, antes de demostrar o que sente. Mas, conforme a narrativa segue, ela cresce e se fortalece.

“Às vezes, você pode fazer tudo certo, e mesmo assim as coisas dão errado. O importante é nunca parar de fazer o certo.”

Quando Khalil é assassinado tudo desmorona na vida de Starr. Ela precisa decidir se contará a todos o que houve naquela noite, já que ninguém sabe que ela estava presente. No entanto, conforme tudo começa a sair do controle, e Khalil é mostrado como uma pessoa ruim que merecia morrer, ela precisa encontrar sua vozpara defender seu amigo, fazer justiça em nome dele e contar a todos a verdade. Mas não será fácil para ela e nem para sua família. Obter justiça não é fácil para pessoas como ela.    

“Qual é o sentido de ter voz se você vai ficar em silêncio nos momentos que não deveria?”

Outro ponto forte do livro foi a família de Starr. Eles são as pessoas que sempre estão ao lado da moça, lhe oferecendo apoio e conselhos. Maverick, pai de Starr é um ex-presidiário que teve uma segunda chance na vida e faz de tudo para ajudar os moradores do bairro, e principalmente, os jovens que estão indo por um caminho errado. O relacionamento da jovem com o pai é lindo, cheio de momentos inspiradores. A mãe de Starr, Lisa é o alicerce da família. Sempre mantendo todos unidos, e dando conselhos preciosos a filha. Os irmãos da jovem são outros que amei no livro: Seven é o meio irmão de Starr, mas isso não diminui o amor entre os dois. Seven é protetor, sempre preocupado com a mãe (que não é a Lisa) e suas outras irmãs, que vivem com um cara muito perigoso e chefe de uma das gagues do lugar onde moram. Starr não conseguiria se manter forte se não fosse o apoio da família.

“ - Ter coragem não quer dizer que você não esteja com medo, Starr. Quer dizer que você segue em frente apesar de estar com medo.”

Além disso, ainda tem o namorado de Starr, Chris, que teve uma grande participação no livro. Seu relacionamento com Starr sofre com problemas, ainda mais pelo fato do garoto ser branco. Starr muitas vezes se questiona sobre namorar um cara que não seja negro. Sobre o que as pessoas pensarão sobre ela. Sobre o que o pai pensará quando souber e conhecer Chris. Nem preciso dizer que torci pelo casal. Chrisfoi um dos personagens secundários que mais gostei nesse livro. Ele é fofo, atencioso, amoroso e ama Starr acima de tudo. Tem também Mayae Hailey, amigas de Starr. Eu gostei muito da Maya  pela sua personalidade e sua amizade com Starr. Já Hailey... deu vontade de socar a cara dela muitas vezes. A menina é uma daquelas pessoas que te deixa com raiva todas as vezes que abre a boca. 

Mas, além dos personagens, a mensagem que o livro traz é o mais importante. A obra fala sobre as injustiças que os negros sofrem. Da opressão por parte da polícia. Do fato das pessoas julgarem baseado no que ouviu na mídia. Angie Thomas nos faz pensar, nos
força a questionar o mundo em que vivemos. Como disse, a narrativa é real e crua. É um tapa na cara da sociedade, um soco no estômago. A autora fala sobre os medos, inseguranças e sonhos dessas pessoas. Angie Thomas ainda nos faz pensar: será que somos preconceituosos? Será que o que eu falei para fulano está certo? Será que as piadas que fazemos, lá no fundo foram preconceituosas? Pensamos, pensamos e pensamos. E no final, chegamos à conclusão de que todos nós somos/fomos preconceituosos em algum momento das nossas vidas.

“Engraçado. Os senhores de escravos também achavam que estavam fazendo a diferença na vida dos negros. Que os estavam salvando do "jeito selvagem africano". Mesma merda, século diferente. Eu queria que pessoas como eles parassem de pensar que gente como eu precisa ser salva.”

O ódio que você semeia é um livro impactante. Que precisa ser lido por todos. Que precisa ser discutido. Não importa se você tem dezesseis anos ou quarenta. LEIA!








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